A Coordenação Pedagógica na Perspectiva do Pensamento Complexo
Este capítulo aborda a atuação do coordenador pedagógico na perspectiva do pensamento complexo.
O capítulo compõe-se de três enfoques: o primeiro trata do conceito e, princípios do pensamento complexo; o segundo, da escola nessa ótica e o terceiro engendra a atuação da coordenação pedagógica na perspectiva do pensamento complexo.
NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
Atualmente, todos nós, homens e mulheres, propomos e argumentamos a favor de uma educação, mais humana, mais harmoniosa com o meio ambiente, solidária, compreensiva da diferença que há entre os seres que habitam o planeta, com valores guiados pela paz, pela liberdade e pela justiça social.
Prioritariamente, a capacidade de enfrentar realidades complexas e incertas, que formam a sociedade atual demanda aos educadores uma nova forma de pensar a educação, uma nova narrativa em educação, que dê respostas a esse novo mundo ordenado pela globalização e pelo avanço tecnológico.
Os processos educativos apresentam-se como complexos, propiciando mudanças não pensadas e situações imprevisíveis que fazem os educadores distanciarem-se da concepção de uma educação linear e estável. Para alcançar esta educação, os avanços no âmbito das ciências naturais e sociais indicam para o paradigma da complexidade.
O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE
O historiador, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin foi quem introduziu o conceito de pensamento complexo na perspectiva de construir um novo modo de pensar e de racionalizar desde a perspectiva da complexidade dos fenômenos.
Em termos corriqueiros, a palavra complexo refere-se à idéia de complicado, de algo emaranhado, composto de múltiplos aspectos e de difícil compreensão.
A etimologia da palavra complexidade tem origem no latim, provém de complectere, cuja raiz plectere significa ligar, entrelaçar, tecer em conjunto. Alude ao ofício de cesteiro, que consiste em formar um círculo unindo e juntando o princípio e o fim das varas de vime. O prefixo com acrescenta o sentido da dualidade, isto é, a existência de dois princípios ou posições contrárias, opostas que se entrelaçam intimamente, contudo sem invalidar sua dualidade.
O dicionário Houaiss de Língua Portuguesa (2001, p. 776) assim define complexo:
Diz-se de ou conjunto, tomado como um todo mais ou menos coerente, cujos componentes funcionam entre si em numerosas relações de interdependência ou de subordinação, de apreensão muitas vezes difícil pelo intelecto e que geralmente apresentam diversos aspectos.
Assim, o termo complexo indica a qualidade que possui alguma coisa ao estar formada por um número maior de elementos estreitamente organizados entre si: fenômenos, situações, comportamentos, processos, estruturas, outros.
À luz do ponto de vista de Morin (2003, p. 61) o pensamento complexo é animado, permanentemente, por uma “tensão entre a aspiração a um saber não fragmentado, não dividido, não reducionista, e o reconhecimento do caráter inacabado e incompleto de qualquer conhecimento”. A análise clássica de explicação e estudos dos fenômenos ou dos sistemas complexos recorta, separa e reduz o objeto estudado.
Percebe-se então, que o pensamento complexo reconhece a qualidade do incompleto, do inacabado de todo o conhecimento, da incapacidade para conseguir a certeza total, da formulação de leis eternas e a concepção de uma ordem absoluta. Para esse pensador, todo o conhecimento tem em si mesmo a marca da incerteza.
O pensamento complexo consiste num modo de pensar ativo e crítico. Crítico porque provoca o repensar das coisas da ciência; ativo porque apropria-se e questiona os conceitos científicos, como também os transforma. E, ainda, porque busca articular os saberes dos diversos âmbitos da ciência para construir conceitos e princípios que se inserem em uma construção mais ampla do conhecimento humano (CONTRERAS, 2006).
Em síntese, o pensamento complexo favorece o estudo das relações e das casualidades múltiplas, inclusive contraditórias, da realidade.
A ESCOLA NA PERSPECTIVA DO PENSAMENTO COMPLEXO
A humanidade atravessa uma época de muitas, grandes e vertiginosas mudanças em todos os âmbitos da atividade humana o que tem levado a indagações sobre a finalidade da escola. No dizer de Demo (2007), há um distanciamento evidente entre a escola e o mundo das crianças e dos adolescentes, o que estaria exigindo uma radical redefinição da escola. Entendemos que esse distanciamento da escola não é somente do mundo das crianças e adolescentes, mas da realidade social, política, econômica, ética, política, cultural do local e do global.
Em 1999, a UNESCO solicitou a Morin a sistematização de reflexões que possibilitassem o repensar da educação para o século XXI. O renomado pensador francês sistematizou suas reflexões em sete eixos que denominou de saberes e que são: as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; os princípios do conhecimento pertinente; ensinar a condição humana; ensinar a identidade terrena; enfrentar as incertezas; ensinar a compreensão; a ética do gênero humano.
Esses eixos favorecem a reflexão de todos os envolvidos em educação sobre as finalidades da educação, conforme breve síntese de cada saber:
- As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão. Morin (2007) afirma que todo o conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão. Cabe a educação mostrar que não há conhecimento que não esteja, em algum grau, ameaçado pelo erro e pela ilusão e identificar a procedência desses erros, ilusões e cegueiras.
O conhecimento, sob forma de palavra, de idéia, de teoria, é o fruto de uma tradução/reconstrução por meio da linguagem e do pensamento e, por conseguinte, está sujeito a erro. Este conhecimento, ao mesmo tempo tradução e reconstrução, comporta a interpretação, o que introduz o risco do erro na subjetividade do conhecedor, de sua visão de mundo e de seus princípios de conhecimento (MORIN, 2007, p. 20).
- Os princípios do conhecimento pertinente: requer-se da educação, a promoção do conhecimento capaz de vincular as partes ao todo, contrapondo-se ao conhecimento fragmentado e reducionista. Quer dizer, ensinar conhecimentos significativos para a vida das pessoas a partir de seu meio, mas alargando-os a um contexto amplo, transcultural e planetário. “O parcelamento e a compartimentação dos saberes impedem aprender o que está tecido junto” (op. cit., p. 45).
- Ensinar a condição humana: implica em restaurar, na educação, a condição humana. À educação cabe desenvolver o conhecimento que resulte na tomada de consciência “da condição comum a todos os humanos e da muito rica e necessária diversidade dos indivíduos, dos povos, das culturas, sobre nosso enraizamento como cidadãos da Terra” (op. cit., p. 61).
- Ensinar a identidade terrena; o objetivo fundamental e global de toda a educação consiste em “civilizar e solidarizar a Terra, transformar a espécie humana em verdadeira humanidade”, conforme Morin (op. cit., p. 78). Assim, a educação do século XXI visa à solidariedade e à comiseração recíproca, de indivíduo para indivíduo para indivíduo, de todos para todos.
- Enfrentar as incertezas; o processo educativo precisa gestar estratégias que possibilitem o enfrentamento dos imprevistos, do inesperado e da incerteza. ”Saibamos, então, esperar o inesperado e trabalhar pelo improvável” (MORIN, 2007, p. 92).
- Ensinar a compreensão; cabe à educação o estudo das raízes, das modalidades e dos efeitos de incompreensão, identificando as causas do racismo, da xenofobia, do desprezo. “Considerando a importância da educação para a compreensão, em todos os níveis educativos e em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão pede a reforma das mentalidades” (op. cit.,, p.17).
- A ética do gênero humano: a educação que objetive o desenvolvimento “verdadeiramente humano deve compreender o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e da consciência de pertencer à espécie humana” (op. cit., p. 17). Com esta afirmação, Morin aponta para as três unidades que compõem a condição humana: indivíduo/sociedade/espécie.
Assim, prioritariamente, cabe à educação educar para a construção de uma sociedade-mundo, constituída por “cidadãos protagonistas, envolvidos de forma consciente e crítica na construção de uma civilização planetária” (MORIN; MOTTA; CIURANA, 2003, p. 107).
À luz desses sete saberes, Contreras (2006) propõe incorporar as seguintes finalidades à educação, as quais ampliamos às escolas em geral:
Educar para a era planetária no sentido formar cidadãos comprometidos com a construção de uma civilização viável a longo prazo, solidária em sua diversidade, com uma consciência de superação do “enclaustramento local, das suas culturas, das suas etnias e das suas nações” (MORIN, 2003, p. 96). Religar saberes no sentido de situar os conhecimentos nos contextos que dão luz ao seu sentido, situando-os na realidade global da qual fazem parte, o que demanda competência para contextualizar, globalizar e antecipar esses acontecimentos.
Formar para a vida no sentido de desenvolver a sensibilidade, o sentimento de pertencimento, o gozo de viver a vida, superando uma concepção de educação fundamentada somente para o treinamento e profissões demandas pelo mercado.
Todo o conhecimento, mesmo o utilitarista deve ser permeado pela estética, as artes, a filosofia, a ética, a poesia.
Promover a democracia cognitiva no sentido da escola desenvolver meios e estratégias para a socialização e a difusão dos conhecimentos, fora dos mecanismos de mercado e promover que os conhecimentos científicos, sobretudo aqueles que têm especial incidência na qualidade de vida das sociedades, sejam patrimônio da humanidade. Percebe-se que na sociedade atual, há concentração dos conhecimentos científicos e tecnológicos em restritos setores, principalmente nas grandes corporações industriais. Percebe-se ainda, o alargamento da distância entre os que têm acesso à educação e os que não têm. Cabe à escola desenvolver meios para que os conhecimentos sobre os problemas transcendentais da humanidade sejam socializados, principalmente aqueles que têm especial incidência sobre a qualidade de vida das sociedades.
Educar para a incerteza: no sentido da escola educar para uma realidade que não está sujeita a um conjunto de fenômenos regidos por ações e efeitos lineares, determinados e previsíveis e por verdades absolutas. O processo educativo requer educar para a incerteza, isto é, para as indeterminações, para os imprevistos, para a não linearidade. Conforme Morin (2000, p. 56) “convém fazer a convergência de diversos ensinamentos, mobilizar diversas ciências e disciplinas para ensinar a enfrentar a incerteza”.
E a escola, diante desse desafio?
O paradigma que tem predominado na escola fundamenta-se numa visão simples, reducionista e limitada da formação humana. Fundamentada nesse paradigma, a escola “reduz a educação à escolarização; a avaliação a uma bateria de provas; reduz a experiência de vida aos livros texto; a aprendizagem ao alcance de objetivos; simplifica a globalidade do mundo em disciplinas isoladas; o desejo à imobilidade nas cadeiras; a criação à repetição e memorização” (CERVERÓ, 2006, p. 95). Dessa forma, conforme a autora, esta simplificação, reducionismo e controle têm favorecido a formação de trabalhadores obedientes, de sujeitos consumistas e com consenso social.
Por mais que a escola pretenda antecipar, controlar e dominar os processos e os sujeitos da educação, a complexidade, as incertezas, as contradições também perpassam pela sua vida. Perpassa também, a tensão entre a fragmentação dos saberes e a multidimensionalidade da vida real (ALARCÃO, 2000).
A concepção de escola reflexiva, já abordada, configura uma “organização que continuadamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua estrutura, e se confronta com o desenrolar da sua atividade num processo simultaneamente avaliativo e formativo” (ALARCÃO, 2000, p. 13).
Uma escola que se pensa, se confronta e avalia a sua própria missão e práticas favorece o entrelaçamento com as finalidades propostas à educação por Contreras (2006). Por quê? Porque a escola que pensa, que se reavalia, tem ambiente propício a mudanças.
O COORDENADOR PEDAGÓGICO NA PERSPECTIVA DO PENSAMENTO COMPLEXO
A escola que se quer reflexiva, demanda uma ação da coordenação pedagógica que supere a perspectiva tradicional linear, hierarquizada e burocrática e que, numa visão inovadora, concretize um trabalho coletivo, centrado nas problemáticas escolares, geradas pela complexidade, pelas incertezas, pelas contradições e pela tensão entre os saberes fragmentados e a multidimensionalidade da vida real que, como já vimos, perpassam pela escola.
No diálogo do coordenador com demais gestores e professores surgem formas para encaminhar um processo educativo que rearticule, reintegre e religue o que as disciplinas isoladas vêm fragmentando. Dentre as múltiplas possibilidades, Martinez (2006) aponta a formação de grupos de estudos como uma das condições que favorecem:
- a construção e geração de conhecimentos interdisciplinares, isto é, a interação de duas ou mais disciplinas que pode ir desde a simples comunicação até a integração recíproca de conceitos fundamentais e da teoria do conhecimento;
- propagação de uma visão que favoreça a explicação e compreensão da realidade local e global, sem fragmentações, num grau máximo de relações entre as disciplinas (SABALA, 2002);
- a elaboração de materiais didáticos utilizáveis por duas ou mais disciplinas que interagem;
- divulgação de uma visão que permita a explicação e a compreensão, dos fenômenos locais e globais, numa perspectiva complexa;
- criação de condições favoráveis ao uso das novas tecnologias de informação e comunicação que contribuam para entendimento global dos fenômenos e objetos de conhecimento;
- elaborações textuais que integrem, relacionem e entrelacem conhecimentos de duas ou mais disciplinas, configurando a interdisciplinaridade;
- criação de espaços permanentes de diálogo entre todos os componentes da comunidade escolar, viabilizando a troca de saberes e de experiências pedagógicas que contribuam para a compreensão global da realidade;
- manutenção de intercâmbios com instituições locais, nacionais e internacionais que assegurem uma visão integral da realidade local e mundial;
- favorecimento ao desenvolvimento de um processo de ensino e aprendizagem que promova a autonomia dos estudantes;
- compartilhamento de métodos de trabalho que transformem os originais e gestem inovações metodológicas ao processo de ensino-aprendizagem;
- propagação de uma visão que favoreça a explicação e compreensão da realidade local e global, sem fragmentações, num grau máximo de relações entre as disciplinas (SABALA, 2002);
- a elaboração de materiais didáticos utilizáveis por duas ou mais disciplinas que interagem;
- divulgação de uma visão que permita a explicação e a compreensão, dos fenômenos locais e globais, numa perspectiva complexa;
- criação de condições favoráveis ao uso das novas tecnologias de informação e comunicação que contribuam para entendimento global dos fenômenos e objetos de conhecimento;
- elaborações textuais que integrem, relacionem e entrelacem conhecimentos de duas ou mais disciplinas, configurando a interdisciplinaridade;
- criação de espaços permanentes de diálogo entre todos os componentes da comunidade escolar, viabilizando a troca de saberes e de experiências pedagógicas que contribuam para a compreensão global da realidade;
- manutenção de intercâmbios com instituições locais, nacionais e internacionais que assegurem uma visão integral da realidade local e mundial;
- favorecimento ao desenvolvimento de um processo de ensino e aprendizagem que promova a autonomia dos estudantes;
- compartilhamento de métodos de trabalho que transformem os originais e gestem inovações metodológicas ao processo de ensino-aprendizagem;
- geração de soluções inéditas e inovadoras para o encaminhamento de respostas aos problemas e objetos de estudos.
Enfim, o coordenador pedagógico, numa ação de caráter problematizador, compartilhará com seus pares, na escola, estudos, pesquisas e perspectivas em relação ao conhecimento, na busca de outro sentido às teorias, aos currículos, aos métodos e as práticas educativas, fazendo um esforço a contracorrente de uma educação que tem sido reduzida a um conjunto de procedimentos programáticos, previsíveis, repetitivos e mecânicos (SANTOS REGO, 2006).
CONCLUSÃO
Este capítulo abordou o pensamento complexo na perspectiva da coordenação pedagógica, considerando que o objeto de seu trabalho é a produção do professor. Num mundo em vertiginosas mudanças, os fundamentos do pensamento complexo poderão contribuir na aproximação da escola ao mundo das crianças e dos adolescentes, conforme Demo (2007), já referido. Ao que acrescentaríamos: aproximar a escola do mundo de todos nós: homens, mulheres, crianças, adolescentes de qualquer raça, crença, religião.
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