quinta-feira, 11 de setembro de 2014

REUNIÃO DE PAIS E MESTRES

As palavras rosa e as palavras cinza

Um dia, não se sabe muito bem por que isso aconteceu tão brutalmente, as palavras rosa desapareceram do planeta. As palavras rosa? São as palavras gentis, como “Obrigado”, “Primeiro você”, “Por favor”, “Você é muito importante para mim”, Palavras tão suaves que se parecem com fios de algodão-doce em nosso coração.

Será que isso era obra do Mágico Cinza, que só gostava de um tom malicioso, picante, amargo? Não! Eram os homens que preferiam, sem saber por que, as palavras picantes, amargas, maliciosas!

Nessa época, na Terra, havia lojas de palavras rosa e palavras cinza. Os comerciantes de palavras rosa vendiam “Eu te amo”, “Estou pensando em você”, “Muito obrigado”, “Por favor”, “Primeiro você”… Para os comerciantes de palavras cinza, as mercadorias eram: “Cocô de cabrito”, “Cara de rato morto”, “Goela fedida”…

No começo, compravam-se muito mais palavras rosa do que cinza. Os comerciantes de palavras rosa faziam bons negócios, e a Terra cheirava agradavelmente a algodão-doce. Os comerciantes de palavras cinza se entediavam, pois só eram procurados uma ou duas vezes por ano, só quando havia desentendimentos.

Apesar disso, um dia, curiosamente, os homens começaram a comprar palavras cinza. Havia uma crise de emprego e uma greve de coração. Os patrões compravam muito “Vá procurar outro canto, você está despedido, meu velho” e “Obrigado por tudo o que você fez, mas pode procurar a porta da rua”. Havia guerra entre famílias, divórcios, casais que não se entendiam mais. Ciúmes entre irmãos, bicos pendurados… Compravam-se “Não te amo mais”, “Está tudo acabado”. Nas lojas de palavras rosa, havia um encalhe de “Obrigado”, “Por favor”, “Eu te amo”…

— Que as palavras doces vão para o diabo — diziam os homens. — Elas custam caro e não rendem nada.

Os comerciantes de palavras rosa, desolados, não sabiam mais onde estocá-las.

As lojas rosa fecharam uma depois da outra. “Tudo deve desaparecer”, “Fechado por luto”, “Liquidação por atacado”, “Quinze palavras rosa pelo preço de uma”. Entretanto, mesmo a preço módico, elas não interessavam mais a ninguém. As lojas de palavras cinza, por sua vez, prosperavam, pois é bem sabido que as palavras feias são contagiosas. Diga uma no pátio do recreio e receberá dez em troca. Criam-se até mesmo lojas especializadas em palavrões, ditos indecorosos, insultos pesados. E os comerciantes cinza trabalhavam dia e noite para encontrar pérolas raras, as palavras mais horríveis e as mais ofensivas! “Hipopótamo de dentes negros”, “Você fede a bacalhau”, etc.

Com medo de não encontrá-las no mercado, o que acontece em tempo de guerra, as pessoas começaram a fazer conserva de palavras cinza. Foram congeladas às dúzias, empilhadas nos armários da cozinha, nas despensas, embaixo da cama.

E upa! Ao menor desentendimento, à menor das risadinhas, à menor discussão, as pessoas recorriam ao estoque: “Cale a boca!”, “Cara de sanfona”, “Galinha depenada”, “Fedor de peixe”, “Bafo de cebola”, “Cretino sinistro” e um montão de outras coisas.

Nos aniversários, aconteciam os maiores insultos. Cantava-se: “Nada pa-ra vo-cê, nessa data fe-di-da”, enquanto se lançava uma bomba de palavrões no meio da festa. Entre os adultos, para festejar o ano novo, brindava-se com suco de chinelo velho e com desprezo:

— Meu velho, desejo-lhe um ano podre. E uma saúde muito ruim.

Quando se abriam os presentes, era um concerto de gemidos:

— Nossa, que feio! Como você conseguiu tanto mau gosto assim? É o pior presente que se podia temer.

Antes das aulas, as crianças corriam para as lojas cinza para encher os bolsos com palavrões, pensando em gastá-los na hora do recreio. E, antes das férias, os adultos também iam lá para lotar suas malas com palavras cinza e risadinhas imbecis, para depois lançá-las pela janela do carro, nas estradas, entre os sanduíches e o café, durante os engarrafamentos: “Ei, cara de rato! Você tirou sua carteira de motorista por correspondência?”.

A atmosfera era glacial sobre a Terra. O Sol, que tem horror de falta de educação e de pauladas, agora se recusava a nascer. Ele se lembrava dos tempos em que todos o acolhiam de braços abertos:

— Oh, que dia bonito! Como isso é bom! Obrigado, meu bom Sol! Ó, meu Deus, como eu adoro o Sol!

No lugar disso, o que se ouvia então era:

— Ai, que calor… Está calor demais, ai como está quente.

Então, as nuvens invadiram o céu, e a Terra mergulhou num período glacial. Todo mundo sentiu frio: ninguém mais tirava a roupa, ninguém fazia carinhos, ninguém fazia mais bebês. Como a Terra era triste, sem flores e sem palavras rosa!

Apesar disso, em algum lugar, havia um garotinho que não queria se render às palavras cinza. Talvez fosse porque, em seu bolso e quase gelada, ainda subsistia uma palavra rosa. E o menino dizia: “Não quero saber desse mundo em que ninguém mais canta, em que ninguém mais diz ‘Bom-dia’ nem ‘Obrigado’ e em que faz frio. Vou me encontrar com o Sol”.

O garotinho andou muito tempo, escalou colinas geladas, pequenas e altas montanhas, vulcões extintos. Enfim, depois de meses e meses, exausto, gelado, esgotado, chegou perto das nuvens.

— Toc, toc — fez ele. — Estou procurando o Sol.

— Oh, oh — fez a chefe das nuvens, que havia tomado posse do céu cinza. — Vejamos quem está falando… Um homenzinho imundo e ridículo que está procurando o sinhô Sol? Mas o Sol não recebe mais ninguém! Desde que as palavras cinza tomaram o poder, somos nós, os cúmulos e os nimbus, que somos os chefes.

Ela inchou o peito e bateu-lhe a porta na cara.

O menino se sentou, atordoado. Como se defender? Ele não tinha sequer a sombra de uma palavra cinza no bolso. Então, começou a chorar. A nuvem o olhou, surpresa. Há muito tempo não via ninguém chorar! Naquele universo glacial, todos os olhos estavam gelados; e os corações, frios.

— Pare de chorar imediatamente — gemeu a nuvem. — Senão, farei cair uma chuva! — pois as nuvens choram facilmente.

Por fim, interiormente perturbada, ela decidiu ajudá-lo.

— Está bem, está bem — ela disse. — O cocozinho amarelo, lá longe, é o Sol.

O menino abriu os olhos e viu, de fato, uma bola de bilhar perdida na extensão azul do céu. Era o Sol, que estava desaparecido, de tanto receber maus-tratos.

No fim de suas forças, o garotinho foi até onde estava a bolinha amarela.

— Bom-dia — disse ao Sol. — Vim procurá-lo. Tudo ficou cinza sobre a Terra. Temos frio, sofremos. Nunca rimos, nunca dizemos palavras gentis. É preciso que você volte.

O Sol abriu um minúsculo olho.

— Não posso fazer isso. A falta de polidez e de civilidade me mata. Boa-noite, vou voltar a deitar.

— Não — suplicou o garoto. — Sem você, nós gelamos na Terra! Nossas casas são frias; e nosso coração, gelado. Volte, eu lhe peço, por favor!

E tirou do bolso sua palavrinha rosa bem gelada: “Nós amamos você”.

— Hummm — fez o Sol, enquanto suas bochechas ficavam um pouco rosadas. — Você diz isso para me agradar, não é mesmo?

— Não — suspirou o menino.

— Evidentemente — disse o Sol, dando de ombros. — Evidentemente! Como viver num mundo obscuro, em que todo mundo grita, vocifera? Em que ninguém fala “Obrigado”, “Por favor”, “É muito bom”, etc.? Fica inteirinho frio! Lembro-me de uma época em que havia palavras rosa em todos os cantos e luz em todos os corações. Ao segurar a porta, a gente dizia “Obrigado”, e não “Cocô de cabrito”. Ah! Bons tempos, aqueles!

O Sol e o menino se puseram a suspirar, pensando no “período rosa”.

— Você precisa voltar — insistiu o garoto.

— Vou fazer uma tentativa — resmungou o Sol. Mas, primeiro, jogue essas palavras rosa sobre a Terra. Assim, minha volta será mais agradável.

O Sol deu ao garoto um estoque de palavras rosa: “Por favor”, “É muito gentil”, “Amo muito você”, “Meu adorado”, “Amor da minha vida”, “Primeiro você”, etc. O menino as enfiou nos bolsos, na boca, no chapéu, no lenço, nas meias, em todos os cantos! Levou tantas quanto pôde carregar. Voltou à Terra e as distribuiu ao acaso. De repente, nos engarrafamentos, as pessoas começaram a abrir papeizinhos rosa: “Primeiro você, por favor”, “O dia está lindo, você não acha?”, “Pode passar, não estou com pressa”…

Nos recreios, começaram-se a ouvir novamente risos gentis, “Você é meu melhor amigo”, “Claro que você pode jogar conosco. Com muito prazer!”… Em casa, as crianças voltaram a falar palavras rosa: “Obrigado, mamãe”, “Por favor”, “Desculpe-me, eu não havia pensado nisso”… Durante as festas de aniversário, cantava-se alegremente e, no ano- -novo, faziam-se votos de saúde e felicidade.

O Sol voltou a brilhar e a se deitar em sua nuvem rosa todos os fins de tarde. E eu lhe garanto que os comerciantes de palavras rosa voltaram a fazer fortuna! Foram até mesmo criadas lojas especiais: de sorrisos, de suspiros de bem-estar, de cortesia, de civilidade. Isso tudo criou um efeito de algodão-doce no coração. Quanto às palavras cinza, diante de tanta felicidade, fugiram com suas patas cinza e peludas. E, quando uma delas tentava enfiar o nariz de volta, eu lhe garanto que não ficava muito tempo.

Gentileza e cortesia
“Diga ‘Bom-dia’ à senhora”, “Você não disse as palavras mágicas”, “Evite ser insolente”…

É tão frequente que as crianças se esqueçam de ser gentis… Será que é por timidez que ficam olhando para as pontas dos sapatos em vez de cumprimentar as pessoas? Apesar disso, a gentileza é o primeiro ato de civilidade, essencial para marcar o respeito devido ao outro. Segurando a porta, dizendo “Obrigado”, mostramos ao outro que ele existe.

Por isso não se pode deixar passar, ao contrário: deve-se sempre exercitar a gentileza. Mas de nada adianta empregar uma maneira coerciva ou obrigar a criança a ser gentil. É melhor agir por pequenos toques: “Acho que não deu para entender o que você disse”, “Você não se esqueceu de nada?”…

Não economize as felicitações caso ela se comporte bem (e é do que sempre nos esquecemos!).

Quanto aos palavrões, é muito simples: deve-se punir a criança com firmeza caso sejam pronunciados diante de um adulto. É inútil proibi-los, mas seu emprego deve ser limitado e reservado a ocasiões bem preciosas: entre amigos, no quarto, etc.

CARQUAIN, Sophie. Histórias para virar gente grande: para conversar com a criança sobre seus medos, preocupações e dúvidas. [tradução Nícia Adan Bonatti]. Campinas: Verus, 2010.

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