1º CAPÍTULO: INÍCIO DA COLÔNIA
De onde vem e para onde vai a escola brasileira
Ana Ligia Scachetti (novaescola@fvc.org.br)
Os padres começaram a catequizar os índios logo que desembarcaram no Brasil
Desde que o ensino e a aprendizagem passaram a ser planejados e formalizados, eles sofreram muitas transformações. Nesta edição e nas próximas cinco, NOVA ESCOLA coloca foco na trajetória da Educação brasileira a partir da chegada dos portugueses. A revista publica uma série com as principais características de cada período, perguntas de concurso ligadas ao tema, a linha do tempo com os fatos marcantes de cada época e os pensadores que embasaram o ensino em mais de cinco séculos (confira a lista dos capítulos no quadro abaixo). "Devemos olhar para a história da Educação pelo tripé de quem faz (o homem), o contexto e o produto (o que foi feito), sempre com a perspectiva de entender o presente", ressalta Gisela Wajskop, diretora do Instituto Singularidades.
Compreender a trajetória da Educação é uma parte essencial da formação dos docentes. Por isso, Dermeval Saviani, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sugere que essa área do conhecimento seja o eixo da organização dos conteúdos curriculares de Pedagogia. "De um curso assim estruturado se espera que forme pedagogos com uma aguda consciência da realidade em que vão atuar", diz.
Apesar da grande importância, esse conhecimento não tem recebido a devida atenção. "Hoje temos uma memória do esquecimento e o que é velho não é considerado relevante", analisa Maria Helena Camara Bastos, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). "Passo o semestre lembrando meus alunos que todos acham algo moderno usar jogos, mas Platão (427-347 a.C.) já propunha isso. É fundamental que todos conheçam a história e entendam que ela é feita por nós a cada dia. Caso contrário, nossa identidade não se constrói."
Outro estudioso do assunto, Maurice Tardif, docente da Universidade de Montreal (UdeM), no Canadá, lembra que, ao chegar em uma escola, entramos em uma densa cultura educacional com mais de 2,5 mil anos de idade. As ideias e os valores que hoje permeiam o ensino vêm de tradições ocidentais. "Por exemplo, aprender a falar é um valor educativo sofista e socrático que apareceu na Grécia cinco séculos antes de Cristo", resume. Com tantos argumentos, você não precisa de mais motivos para começar a ler o primeiro capítulo da série, não é? Boa leitura!
Ensino com catecismo
Ana Ligia Scachetti (novaescola@fvc.org.br)
As primeiras salas de aula em nossa terra foram criadas pelos jesuítas para evangelizar os índios
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Inicialmente, os curumins (filhos dos índios) e órfãos portugueses. Mais tarde, os filhos dos proprietários das fazendas de gado e dos engenhos de cana-de-açúcar e também dos escravos. Em todos os casos, apenas meninos. Esses foram os primeiros alunos da Educação formal (e letrada) brasileira. E os padres jesuítas, os primeiros professores. De 1549, quando o padre Manuel da Nóbrega (1517-1570) chegou ao nosso território na caravela do governador-geral Tomé de Sousa (1503-1579), até 1759, quando Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), o marquês de Pombal, expulsou a Companhia de Jesus, a catequização e o ensino se misturaram.
Franciscanos e outras ordens religiosas chegaram a realizar algumas tentativas pontuais de ensino, como lembra Dermeval Saviani em História das Ideias Pedagógicas no Brasil (498 págs., Ed. Autores Associados, tel. 19/3289-5930, 89 reais), mas foram os jesuítas que lograram a constituição de uma rede educacional. Os primeiros passos foram dados nas casas de bê-á-bá (ou confrarias de meninos). "Logo após o desembarque, os jesuítas iniciaram a conversão dos índios ao cristianismo ensinando os rudimentos do ler e escrever, numa concepção evangelizadora que se materializaria, depois, nos famosos catecismos bilíngues, em tupi e português", escrevem Amarilio Ferreira Jr. e Marisa Bittar, docentes da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), no artigo A Gênese das Instituições Escolares no Brasil.
O objetivo principal era catequizar - afinal, a Igreja Católica se sentia ameaçada pela Reforma Protestante -, mas para isso todos precisavam saber ler. "As letras e a doutrina estavam imbricadas na cultura europeia medieval vigente ainda nos séculos 16 e 17. E a gramática portuguesa também vinha carregada de orações e pensamentos religiosos", explica José Maria de Paiva, da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep).
Nas casas de bê-á-bá, moravam os padres e meninos órfãos trazidos de Portugal. Esses pequenos estudantes ajudavam a despertar a atenção das crianças indígenas. As aulas eram bilíngues (em português e tupi, considerada a língua predominante no litoral, onde a ocupação brasileira começou) e o ensino dos dogmas católicos era seguido de perto pela desvalorização dos mitos indígenas. Segundo relato do padre José de Anchieta (1534-1597) a Inácio de Loyola (1491-1556), fundador da Companhia de Jesus, os índios entregavam seus filhos "de boa vontade" para serem ensinados e, ao retornar para o convívio com seus pais, as crianças colaboravam para disseminar o ideário católico entre os adultos.
Não havia uma formação específica para que um padre se tornasse professor. "Bastava saber ler e escrever, mas principalmente conhecer as Sagradas Escrituras, já que a escola era quase um sinônimo de sacristia e estudar significava se tornar um bom cristão", comenta Marisa. O método consistia em ouvir e repetir o que os sacerdotes ensinavam. "Quanto mais fiel aos ensinamentos, melhor", complementa Ferreira Jr.
Outro marco da didática da época era o uso do teatro e da poesia para ensinar. "Anchieta inspirou-se nos usos e costumes indígenas, utilizando-se das músicas, das danças e dos cantos usados em suas festas cerimoniais em seus autos. Para atingir os objetivos de catequizar e educar, os cânticos e as poesias eram traduzidos e adaptados", contam as pesquisadoras Yara Kassab, Inez Garbuio Peralta e Vera Cecília Machline no artigo O Lúdico Na Festa de São Lourenço de José de Anchieta. Nas cenas, os hábitos dos nativos eram adaptados para uma vida considerada mais cristã e costumes como a nudez e a bigamia eram criticados. "O jesuíta percebe que o teatro podia ser uma estratégia pedagógica promissora e um instrumento de comunicação com os índios para transmissão da doutrina católica, dos valores morais e culturais europeus ocidentais, bem como a propagação da Língua Portuguesa", completam.
Saviani lembra que Anchieta (leia a frase do padre abaixo) era um "hábil conhecedor de línguas". Além do espanhol, seu idioma nativo, ele sabia português e latim e, após sua chegada ao Brasil, aprendeu rapidamente a chamada "língua geral" dos indígenas. Foi responsável por elaborar uma gramática do tupi, que facilitou muito o trabalho de evangelização.
"(...) o principal cuidado que temos deles (os índios) está em lhes declararmos os rudimentos da fé, sem descuidar o ensino das letras; estimam-no tanto que, se não fosse esta atração, talvez nem os pudéssemos levar a mais nada."
Centenas de regras documentadas
A atuação dos jesuítas no ensino não foi exclusividade do Brasil. Eles também abriram colégios na Europa, na Ásia e em outros países da América. Diante disso, a ordem quis regulamentar sua ação educativa e o fez com o Ratio Studiorum, promulgado em 1599, com mais de 400 regras (leia a pergunta de concurso sobre a atuação dos jesuítas abaixo). O documento reafirma pontos de estatutos anteriores e dá a dimensão da integração entre religião e Educação.
Um bom exemplo é a regra número 34, apresentada por Norberto Dallabrida, professor da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), no artigo Moldar a Alma Plástica da Juventude: a Ratio Studiorum e a Manufatura de Sujeitos Letrados e Católicos. Ela trata da seleção dos livros: "Tome todo o cuidado, e considere este ponto como da maior importância, que de modo algum se sirvam os nossos, nas aulas, de livros de poetas ou outros que possam ser prejudiciais à honestidade e aos bons costumes, enquanto não forem expurgados dos fatos e palavras inconvenientes; e se de todo não puderem ser expurgados (...) é preferível que não leiam para que a natureza do conteúdo não ofenda a pureza da alma".
Com as novas determinações e necessidades da Companhia, as casas de bê-á-bá foram dando lugar aos colégios, e a Educação passou a ser iniciada com conteúdos que hoje seriam equivalentes ao Ensino Médio. A alfabetização era necessária para acompanhar esses estudos. E o foco do ensino mudou dos curumins para os filhos de colonos. "Os filhos dos escravos também eram alfabetizados para serem convertidos", diz Ferreira Jr.
Outro expoente dessa ordem religiosa, o padre Antônio Vieira (1608-1697) teve uma intensa produção de sermões voltados para os negros trazidos da África para o Brasil. "O jesuíta visava inculcar na mente dos escravos a concepção cristã de mundo, buscando a sua adesão e obediência a esses valores", resumem Ferreira Jr. e Marisa.
Questão de concurso
Prefeitura Municipal de Teresópolis, RJ, 2011.
Concurso para professor de História
Nos três séculos de colonização portuguesa no Brasil, novas identidades culturais foram forjadas graças à atuação da Igreja Católica. A Educação, considerada como prática cultural, apresentou as seguintes características, EXCETO:
(A) a Educação esteve sob a tutela dos jesuítas que aplicaram um método de ensino que valorizava a gramática, a expressão culta e a memorização com vistas a inserir os colonos na cultura portuguesa;
(B) a ação da Igreja Católica é marcada por uma relação entre catequese e Educação, sendo que esta apresenta o objetivo de aculturar as populações indígenas;
(C) o código de ensino Ratio Studiorum pautou a organização do ensino dos colégios fundados e dirigidos pela Companhia de Jesus no Brasil colonial;
(D) Anchieta produziu poesia e teatro fundamentados no respeito à diversidade cultural indígena, o que garantiu a preservação dos mitos e práticas culturais desses povos;
(E) as Ordens Beneditinas e Franciscanas também participaram no processo de Educação, porém sem o apoio oficial da Coroa portuguesa e sem recursos suficientes que garantissem uma ação sistemática.
Resposta correta: D
Comentário Anchieta escreveu peças dedicadas à conversão dos indígenas com enredos baseados na contradição entre o bem e o mal. A mensagem era sempre a mesma: apenas aqueles que se convertessem ao cristianismo iriam para o céu.
Consultoria Marisa Bittar
Muito esforço nas aulas
Nos colégios do século 17, a progressão do aprendizado começava pela doutrina cristã e seguia com as aulas de Humanidades (voltadas para várias línguas) e, depois, as de Teologia, Direito Canônico, Filosofia e Retórica. Ao fim dessas etapas, os estudos poderiam ser continuados em universidades europeias. Ferreira Jr. e Marisa ressaltam, ainda, o ensino de ofícios manuais em território brasileiro. Com isso, formavam a mão de obra necessária para os engenhos e outros espaços.
Ao descrever os preceitos do Ratio Studiorum, Dallabrida mostra que as aulas dos jesuítas eram rigorosamente orientadas pelo documento. Os professores deveriam passar exercícios para os alunos constantemente, solicitar trabalhos escritos diariamente e corrigi-los um a um.
Era comum os estudantes participarem de desafios com perguntas propostas pelo educador ou por colegas. Quem demonstrava conhecimento era premiado. O docente definia o lugar de cada um na sala de aula e, diante de alguma desobediência, os castigos físicos eram usados apenas em último caso e aplicados por alguém que não pertencesse à Companhia. "As regras para o Brasil eram as mesmas que regiam a escolarização europeia. Havia rigor na observância delas, qualquer que fosse a região", alerta Paiva.
Com tanto esmero, os especialistas estimam que os padres converteram todos os índios do litoral que sobreviveram ao contato com os portugueses. E calculam que mais de 20 colégios foram implantados até 1759. Nesse ano, porém, o marquês de Pombal ordenou o fechamento das escolas e a expulsão dos jesuítas para implantar seu sistema educacional. Ele instaurou as aulas régias, que você vai conhecer no próximo capítulo.
Linha do tempo
1500 Os portugueses chegam aqui e encontram vários povos indígenas.
1530 As capitanias hereditárias são criadas e começa o cultivo de cana-de-açúcar.
1549 Primeiro grupo de jesuítas desembarca em solo tupiniquim.
1599 A Companhia de Jesus promulga o Ratio Studiorum.
1759 O marquês de Pombal expulsa os jesuítas do Brasil.
Fonte História da Educação (Maria Lúcia de Arruda Aranha, 256 págs., Ed. Moderna, tel. 0800-7707-653, 65,90 reais)
1500 Os portugueses chegam aqui e encontram vários povos indígenas.
1530 As capitanias hereditárias são criadas e começa o cultivo de cana-de-açúcar.
1549 Primeiro grupo de jesuítas desembarca em solo tupiniquim.
1599 A Companhia de Jesus promulga o Ratio Studiorum.
1759 O marquês de Pombal expulsa os jesuítas do Brasil.
Fonte História da Educação (Maria Lúcia de Arruda Aranha, 256 págs., Ed. Moderna, tel. 0800-7707-653, 65,90 reais)
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